18 julho, 2006

Diário de um homem sozinho em casa

Segunda-feira:
Sozinho em casa! A minha mulher foi passar a semana fora. Ora ai está uma excelente mudança. Vamos passar uma semana inesquecível, o cão e eu. Delineei um programa e organizei o meu horário. Sei exactamente a que horas me levantar, quanto tempo demoro na casa de banho e a preparar o pequeno almoço. Acrescentei o numero de horas de que preciso para lavar a loiça, fazer limpezas, passear o cão, ir às compras e cozinhar. Fiquei agradavelmente surpreendido com o muito tempo livre que ainda terei. Não percebo porque é que as mulheres se queixam da lida da casa se tudo isso exige tão pouco tempo. O segredo esta numa boa organização. O cão e eu comemos um bife cada um ao jantar. Vesti-me a rigor, acendi uma vela e pus rosas numa jarra para criar uma atmosfera aprazível. O cão comeu patê como entrada, repetiu a dose como prato principal, com uma requintada guarnição de legumes e biscoitos como sobremesa. Eu bebi vinho e fumei um "Puro". Ha muito que não me sentia tão bem.

Terça-feira:
Tenho de dar uma olhadela ao meu horário. Uns pequenos acertos. Expliquei ao cão que não se pode ter festa todos os dias e que por isso, não pode estar a espera de entradas e três tigelas de comida, que, é claro, tenho de lavar. Ao pequeno almoço, verifiquei que o sumo de laranja natural tem um inconveniente. É preciso lavar sempre o maldito espremedor. Alteração possível: fazer uma garrafa de sumo para vários dias. Assim só tenho metade do trabalho e poupo um tempão. Descoberta: posso aquecer salsichas dentro da sopa. Menos uma panela para lavar. É claro que não pretendo aspirar todos os dias, como a minha mulher queria. De dois em dois dias é mais que suficiente. O segredo está em andar de chinelos e limpar as patas do cão. Quanto ao resto sinto-me optimamente.

Quarta-feira:
Tenho a impressão de que afinal a lida doméstica leva mais tempo do que inicialmente pensava. Preciso de repensar a minha estratégia. Primeiro passo: comprei um saco de comida rápida. Não tenho de perder mais tempo com cozinhados. É um completo disparate perder mais tempo, fazendo a comida, do que comê-la. A cama é outro problema. Primeiro é preciso sair de dentro do edredão, a seguir areja-lo e por fim fazer a cama. Que complicação! Acho que não vale a pena fazê-la todos os dias, sobretudo porque nessa mesma noite voltarei a deitar-me. Parece-me inútil. Deixei de fazer refeições complicadas para o cão. Comprei algumas de lata. Ele fez ma cara, mas não teve outro remédio senão comê-las. Se tenho de orientar-me com refeições pré-cozinhadas, também ele terá de se contentar. Ele não é mais do que eu.

Quinta-feira:
Tragédia: Acabou-se o sumo de laranja! Como é que um fruto aparentemente tão inocente causa tamanha confusão? É inacreditável! Vou passar a comprar sumo engarrafado, pronto a beber. Descoberta: consegui sair da cama quase sem a desfazer. Basta-me depois esticar ligeiramente os lençóis. Claro, que é preciso uma certa prática, e não me posso mexer muito durante o sono. Doem-me um bocado as costas, mas nada que um bom duche quente não possa resolver. Deixei de fazer a barba todos os dias. E uma perda de tempo. Assim, também, ganho uns minutos preciosos que a minha mulher, como não tem de fazer a barba nunca perde. Descoberta: não vale a pena usar um prato lavado de cada vez que como. Lavar a loiça tantas vezes começa a dar-me cabo dos nervos. O cão também pode comer só numa tigela. Afinal de contas é um animal. Nota: cheguei à conclusão de que basta aspirar no máximo uma vez por semana. Simplificar as ementas: Salsichas ao almoço e ao jantar.

Sexta-feira:
Decisão: adeus sumos de fruta! As laranjas são muito pesadas. Descobri o seguinte: as salsichas sabem bem de manhã. Ao almoço nem por isso. Ao jantar, nem vê-las. Salsichas mais de dois dias seguidos enjoam. O cão, esse, está a comida seca. Afinal de contas tem os mesmos nutrientes, e não suja a tigela. Descobri que posso comer a sopa directamente da panela. Sabe ao mesmo. Não sujo nem tigela nem concha. Assim já não me sinto tanto como uma máquina de lavar louca. Já não lavo o chão da cozinha. Irritava-me tanto como fazer a cama. Nota: acabaram-se as latas. O abre latas fica todo pegajoso!

Sábado:
Que ideia é esta de me despir à noite se tenho de voltar a despir-me de manhã? Aproveito mas é o tempo para ficar mais um bocadinho na cama. E também não preciso de colcha, assim a cama está sempre feita. O cão encheu tudo de migalhas. Pu-lo na rua de castigo. Não sou criado dele! Que estranho. De repente, dei-me conta de que é o que a minha mulher me diz às vezes? Hoje é dia de fazer a barba, mas não me apetece nada. Tenho os nervos em franja. Ao pequeno almoço só como as coisas que não seja preciso desembrulhar, abrir, cortar polvilhar, cozinhar sem misturar. Tudo coisas que não incomodem. Plano: comer directamente do saco e em cima do fogão. Nem pratos, nem talheres nem toalha, nem nenhum disparate desses. Tenho as gengivas um bocado inflamadas. Deve ser a falta de vitamina C da fruta, que é muito pesada para carregar. Se calhar, estou com principio de escorbuto. A minha mulher telefonou à tarde a saber se tinha lavado as janelas e posto a roupa a lavar. Desatei a rir meio histérico. Disse-lhe que não tinha tempo para futilidades. Há um problema com a banheira. Está entupida com esparguete. Também não estou para me chatear. Aliás, não me incomoda muito porque deixei de tomar duche. Nota: o cão e eu comemos juntos directamente do frigorifico. Tem é que ser depressa. Não convém deixar a porta aberta muito tempo, pois aparece água no chão, e lá tenho de ir buscar a esfregona.

Domingo:
O cão e eu estamos sentados na cama a ver televisão. Vemos pessoas a comer todo o tipo de iguarias. Salivamos os dois. Estamos fracos e rabugentos. Esta manhã comi da tigela do cão. Nenhum de nos gostou de partilhar. Precisava de me lavar, barbear, pentear, fazer comida para o cão, limpar a casa ir às compras e uma serie de outras coisas, mas não arranjo forças. Sinto que estou a perder o equilíbrio e que a vista me está a faltar. O cão deixou de abanar a cauda, perdeu a alegria. Num ultimo reflexo de sobrevivência arrastamo-nos até um restaurante, perto de casa. Durante uma hora, comemos toda a espécie de pratos óptimos. Em seguida, fomos para um hotel. O quarto é limpo, arrumado e confortável. Acho que descobri a solução ideal para o governo de uma casa. Não sei se a minha mulher já se terá alguma vez lembrado disso.